Ditadura brasileira espionava Juan Perón, diz jornal argentino

Em meio à discussão sobre a abertura de arquivos confidenciais referentes à ditadura militar brasileira (1964-1985), o jornal argentino Página 12 publicou neste domingo (26/06) documento que mostrava que a ditadura brasileira espionava o então presidente do país vizinho, Juan Domingo Perón. Uma das razões que justificariam essa ação seria sua proximidade com o do ex-presidente brasileiro João Goulart (1961-1964), deposto por um golpe militar.
O relatório, datado de 1973, tem como origem o Ciex (Centro de Informações do Exterior), órgão que integrava o Ministério das Relações Exteriores brasileiro na época e anterior ao golpe de Estado que deu origem à ditadura civil-militar na Argentina (1976-1983).
Até a publicação desta matéria, o Itamaraty não respondeu ao pedido da reportagem de Opera Mundi para comentar os documentos.
O jornal não revela como obteve o documento, mas afirma que teve acesso a centenas de relatórios que mostravam as fortes ligações entre a ditadura brasileira e os militares que comandariam o golpe no país vizinho anos depois. A reportagem é assinada por Dario Pignotti, correspondente do Página 12 em Brasília, e conta com o depoimento de João Vicente Goulart, filho de Jango, como o ex-presidente era popularmente conhecido. "Eram frequentes os contatos e a afinidade [dos ditadores brasileiros] com os que promoveriam o golpe [argentino] de 1976 e aprovavam a guerra suja então já lançada contra a ‘subversão’", cita a matéria.

Na Espanha

O relatório, obtido pelo Página 12, é datado de 2 de março de 1973 e separado por seis itens. Ele mostrava a inquietação dos militares com a proximidade entre Perón e Jango, e seus freqüentes contatos. "Em sua última viagem à Europa, João Goulart encontrou-se com Perón na Espanha. Nesta ocasião, Perón disse que gostaria que Goulart se fixasse na Argentina, caso o peronismo ganhasse as eleições", menciona o documento, classificado como secreto.
No segundo item do relatório, o regime brasileiro relatou o convite do líder argentino a Goulart (1961-1964) para participar de um “amplo movimento latino-americano de libertação” das ditaduras, que se iniciaria na Argentina. "A conversa girou sobre a situação brasileira e sobre as ideias de Juan Perón para a criação de um amplo ‘movimento latino-americano de libertação’, cujo epicentro se localizaria na Argentina".
O terceiro ponto menciona a participação do economista Celso Furtado na reunião, "contratado por Juan Perón para assessorar o programa econômico do governo [do Partido] Justicialista [fundado pelo presidente argentino]".
Em entrevista ao jornal argentino Página 12, responsável pela divulgação dos arquivos, João Vicente Goulart concorda sobre a espionagem brasileira a Perón: "Participei de reuniões com ele e pressentia-se que nos vigiavam. Se os arquivos da ditadura fossem abertos, como a presidente Dilma [Rousseff] quer, haverá mais provas disso".
O filho do ex-presidente brasileiro também afirmou que houve mais reuniões entre os dois políticos, além da mencionada no documento divulgado pelo jornal. “Outra foi realizada em Buenos Aires, lembro que algumas pessoas nos diziam que os serviços [de inteligência] estavam rondando por lá”, afirmou.
Segundo ele, é "lógico" que a ditadura brasileira queria seguir os passos do presidente argentino. "Ele propôs ao meu pai se radicar na Argentina, de onde teria uma plataforma para organizar seu regresso ao Brasil e forçar uma abertura democrática, que os militares queriam atrasar", garantiu João Vicente.

Parceria

Um segundo documento, de 23 de novembro de 1974, é um telegrama da embaixada brasileira enviado em novembro de 1974 pela Embaixada do Brasil em Buenos Aires, também "secreto", reporta uma conferência bilateral "de inteligência” entre os exércitos brasileiro e argentino, confirmando a versão de uma coordenação entre as duas ditaduras.
Apesar de não divulgada a cópia, o jornal menciona ainda outro telegrama da embaixada, desta vez de setembro de 1975, que teria relatado uma “longa conversa” com o então ditador argentino Jorge Rafael Videla e o comandante da Marinha, Eduardo Massera. Ambos cumprem atualmente penas de prisão perpétua por crimes contra a humanidade cometidos durante a repressão no país.
Na conversa, os dois teriam expressado interesse de "estimular por todos os meios a aproximação das Forças Armadas" do Brasil e da Argentina. Em outra mensagem confidencial de fevereiro de 1975, estaria ainda mais explícito o planejamento conjunto das ditaduras dos países, quando relata um encontro de diplomatas brasileiros com o então ministro de Defesa argentino, Adolfo Savino.
O despacho menciona uma abordagem de "total franqueza sobre a necessidade de um profundo entendimento" entre os países para combater "os inimigos comuns da subversão". Ainda segundo o jornal, o filho de João Goulart lamenta que o Brasil esteja tão atrasado em comparação com países como a Argentina, onde "houve um acerto de contas com a história e a verdade".
Sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar brasileira, 47 anos depois do golpe contra Jango, João Vicente afirma: “Já está na hora de acabar com este longo silêncio, ainda vivemos dando as costas para a história dos anos 70, devido às pressões de grupos ligados ao terrorismo de Estado”, lamentou.
A estratégia de Perón, como se sabe, não progrediu. O presidente argentino morreu aos 78 anos, em 1º de julho de 1974, durante seu terceiro mandato. Ao contrário do que pretendia, a ditadura se aprofundou em vários países latino-americanos, incluindo a própria Argentina dois anos depois.
João Goulart morreu na Argentina, na cidade de Mercedes. A versão oficial teria sido um ataque cardíaco. Entretanto, uma  de 2008 relata o depoimento de um ex-agente uruguaio que afirma que Jango foi envenenado por ordem do delegado Sérgio Fleury, do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) – com anuência do governo brasileiro.

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