Eleições gerais de 2014: o país em debate


Marcus Ianoni*


Conforme vem ocorrendo regularmente desde a promulgação da Constituição de 1988, teremos, em 2014, eleições gerais em todo o país para a escolha dos representantes populares na Presidência da República, Câmara dos Deputados e Senado Federal, governos estaduais e Assembleias Legislativas. Deverá ser debatido o que vem sendo feito pelos políticos eleitos ocupantes desses cargos e os propósitos das futuras candidaturas.

Um exercício importante para a reflexão política é identificar os atores e projetos sociopolíticos e político-institucionais efetivamente em disputa. Na Corrida Internacional de São Silvestre, realizada anualmente na cidade de São Paulo, vários candidatos se inscrevem, mas os participantes e espectadores bem informados por fontes confiáveis sabem identificar os concorrentes que realmente estão no páreo, melhor preparados e com mais chance de vencer. Uma análise política criteriosa deve tentar cumprir função análoga visando mapear as relações de força.

Os dois mandatos de Lula e o atual mandato de Dilma Rousseff operaram mudanças importantes nas esferas econômica, social e política. Em síntese, essas três grandes mudanças podem ser identificadas, respectivamente, na retomada do crescimento, na mobilidade social ascendente e na ampliação da democracia. Conjugadas, tais mudanças conformam um projeto que alguns analistas, inclusive o que aqui escreve, têm caracterizado como social-desenvolvimentista. Tal projeto pressupõe um papel mais ativo do Estado na indução do crescimento e na redistribuição de renda – buscando um desenvolvimento simultaneamente econômico e social – e pressupõe mais democracia, tanto por haver mais diálogo entre capital e trabalho na implementação das políticas públicas voltadas às atividades produtivas da economia capitalista como também pelo estímulo à inclusão política de novos atores em arranjos participativos destinados à ampliação de direitos sociais e de cidadania (gênero, raça, direitos humanos etc).

As forças sociopolíticas e político-institucionais vinculadas ao social-desenvolvimentismo são amplas e heterogêneas, o que ajuda a explicar o vigor e a amplitude do processo de mudança, assim como seus limites e contradições. Reúnem, sobretudo, o capital produtivo e o trabalho assalariado, ou seja, os setores socioeconômicos dedicados às atividades e investimentos produtivos e uma série de estratos sociais populares. Na esfera político-institucional, a aliança social-desenvolvimentista apoia-se, principalmente, na coligação PT-PMDB.

O outro grande projeto em disputa na sociedade brasileira é o neoliberal. Representantes desse projeto estiveram no governo federal nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Eles defendem a redução do papel do Estado na indução do crescimento, priorizam a liberdade de ação auto-regulada dos agentes nos diversos mercados, dão pouca importância à política industrial e concebem de modo mais limitado as políticas sociais, embora a presença delas na agenda pública tenha vindo, de certo modo, para ficar, o que faz com que hoje quase todas as forças políticas advoguem, de alguma maneira, o Bolsa Família, por exemplo. Em relação à política externa, defendem os acordos bilaterais de comércio e criticam o multilateralismo implementado a partir de Lula. Em termos sociopolíticos, entre as forças neoliberais destacam-se as instituições financeiras de grande porte, os rentistas e os oligopólios dos meios de comunicação. Em boa medida, estão vinculados à financeirização, ou seja, à inversão especulativa do capital financeiro. No plano político-institucional, estão na oposição, no PSDB, DEM e PPS.

Um terceiro projeto, cuja viabilidade sociopolítica ainda está para ser confirmada ou negada, busca afirmar-se com a aliança partidária entre PSB e Rede Sustentabilidade. Suas linhas programáticas gerais, traçadas recentemente, propõem uma Reforma do Estado, o fortalecimento do recrutamento meritocrático da burocracia pública, a diminuição dos cargos em comissão e um novo pacto federativo. Suas diretrizes econômicas ainda não estão claras. As eleições de 2014 servirão de termômetro da capacidade desse novo projeto político tornar-se uma terceira via. Porém, o que predomina em vários países e regiões do mundo é a disputa entre as variantes nacionalmente específicas dos modelos desenvolvimentista e neoliberal. A América do Sul, nesse século XXI, tem sido um espaço geopolítico de resistência ao neoliberalismo e de afirmação de experiências nacionais social-desenvolvimentistas. 

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.

Publicado originalmente em Jornal do Brasil on Line

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