Valdemar, o minúsculo

O diretório nacional do Partido Liberal, o PL, funciona no nono andar de um luxuoso conjunto comercial no Setor Hoteleiro de Brasília. Postado à porta, um segurança educado, sempre de terno e gravata, recebe os visitantes. Na recepção, aguarda-se a vez diante de uma imensa fotografia do fundador Álvaro Valle – um diplomata tornado político que apoiou a ditadura militar até os 44 minutos do segundo tempo – e de duas televisões embutidas na parede forrada de mármore. Ao menos até o final de outubro, ambas repetiam, incessantemente, a solenidade de filiação de Jair Bolsonaro à legenda.

Diante da surreal ausência de um comitê central de campanha, foi à sede do PL que nove entre 10 jornalistas políticos da capital nos acostumamos a ir buscar informações sobre a frustrada tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro. Em geral, a conversa se dava com assessores do partido. Diante de um pedido de entrevista com Valdemar Costa Neto, ouvíamos: "Ele não irá falar com jornalistas". 

Valdemar é o dono do PL desde 2000, ano em que Valle sucumbiu a um câncer. Foi homem-chave na costura da aliança com o centro que garantiu a Lula seu primeiro mandato presidencial. Logo iria conhecer a desgraça e a cadeia com o escândalo do mensalão, que o forçou a renunciar a dois mandatos de deputado federal. Nem isso, contudo, lhe tirou o controle do partido.

Em 2 de outubro passado, o PL garantiu para si as maiores bancadas na Câmara dos Deputados (99 das 513 cadeiras) e no Senado (14 de 81). Mesmo com a derrota de Bolsonaro, sai do segundo turno com dois governadores eleitos, no Rio e em Santa Catarina. Mas foi precisamente na eleição das maiores bancadas de Brasília que o PL centrou esforços desde a filiação de Jair Bolsonaro, em 22 de novembro passado. 

Como os mandatos de deputados pertencem ao partido, garante-se, assim, que Valdemar mantenha a casa sob seu domínio. E, como o tamanho da bancada na Câmara define a distribuição de 95% do dinheiro do fundo partidário, ele e sua até outrora pequena legenda asseguraram uma dinheirama para os próximos quatro anos.

É por isso que, agora, está em curso um plano para repaginar o mandachuva do PL, apurou o Intercept. Se sair como previsto, o mensaleiro preso dará lugar ao presidente do maior partido do país. Valdemar e os seus querem que ele seja visto como uma liderança importante e respeitável dos bastidores da política brasileira. É com esse novo figurino que – segundo a estratégia – ele deverá começar a receber chefes da mídia brasileira.

Falta combinar com os fatos, porém. E o fato dos últimos dias é o seguinte: Valdemar está fechado num silêncio ensurdecedor, covarde e obsequioso diante de repetidas ameaças à democracia perpetradas por políticos filiados a seu partido. Nem é preciso falar de Jair Bolsonaro, que se recusou a admitir publicamente a derrota e incentiva manifestações golpistas que bloqueiam estradas do país. Olhemos para gente com menos estatura eleitoral.

A deputada federal reeleita Carla Zambelli, de São Paulo, perseguiu de arma em punho um homem negro na véspera do segundo turno. Um segurança dela atirou. Diante da possibilidade de ser presa, Zambelli achou prudente ir aos Estados Unidos esperar que a coisa esfrie. Antes, incitou radicais da extrema direita que não aceitam a vitória de Lula a fecharem estradas pedindo um golpe de estado. Valdemar fez que não era com ele.

Nikolas Ferreira, um fedelho que se tornou o deputado federal mais votado do país, ameaçou Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, com um impeachment (que sequer é atribuição da Câmara) e, horas após a eleição de Lula, com os golpistas começando a fechar rodovias, tuitou o seguinte: "Soldado que vai a guerra e tem medo de morrer é um covarde". Valdemar fingiu que não viu.

Flávio Bolsonaro, senador pelo Rio e filho 01 do presidente, aplaudiu "de pé" os protestos por um golpe de estado antes de soltar um enigmático "confiem no capitão". Eduardo, o filho 03, também incentivou bloqueios em estradas. Tal qual o goiano Gustavo Gayer, mais um que usou o PL como escada para subir do esgoto da internet a uma cadeira na Câmara dos Deputados. Valdemar? Silêncio.

O jogo duplo do presidente do PL nem mesmo é novidade. Antes do início formal da campanha, ele visitou o TSE para garantir aos ministros Moraes e Edson Fachin que as críticas às urnas eletrônicas eram coisa de Bolsonaro, não do partido. Ao mesmo tempo, financiava uma auditoria sem vergonha que, baseada em argumentos safados, colocou em dúvida a segurança do processo eleitoral.

Sim, o PL pagou para atacar as mesmíssimas urnas que lhe deram bancadas robustas o suficiente para reivindicar o título de "maior partido do país". Ainda assim, Valdemar silencia diante do presidente derrotado e seu bando de cupinchas que açulam os zurros golpistas em estradas e defronte a quartéis do Exército. Pior ainda, irá pagar advogados, mansão em Brasília e um salário para que Jair Bolsonaro siga tentando derrubar a surrada democracia brasileira.

Desde a terça passada, 1o de novembro, que eu cobro do PL uma posição de Valdemar Costa Neto sobre os ataques de seus filiados à democracia brasileira. Sem resposta. Ontem, após eu insistir nas cobranças, a assessoria do partido anunciou que ele irá falar à imprensa na próxima terça, dia 8 – quase 10 dias após o início dos protestos golpistas que envolvem filiados. 

Nas conversas com jornalistas na luxuosa sede do PL em Brasília, um braço direito de Valdemar costumava sugerir: "Se quiserem ter alguma chance de uma entrevista, um bom começo é não repetir que ele foi um mensaleiro preso". A passagem pela cadeia é o calo no pé do ex-deputado. Ser condenado por corrupção não engrandece currículo algum, de fato. Mas ser tchutchuca com golpistas é bem pior, Valdemar: garante que seu nome estará na lata de lixo da história do Brasil. Levando junto o do PL, por ora nada mais que um Fidesz – felizmente – natimorto.


Rafael Moro Martins

Editor Contribuinte Sênior

(*) Texto publicado originalmente em The Intercept Brasil

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