D. Gilberto posa com uma neta de um interno da Vila João XXIII |
Em agosto de 2007 resolvi “conhecer” o novo bispo de Diocese
de Imperatriz. Em duas manhãs nos encontramos na residência diocesana da
Paróquia de Fátima para uma entrevista que consegui publicar em O Progresso.
Ele estava então com 51 anos (faz aniversário no dia 29 de
julho). Havia tomado posse como novo bispo em substituição a dom Afonso Felipe
Gregory no dia 13 de novembro de 2005.
Conversamos sobre sua
vida pessoal e religiosa, os desafios da Igreja Católica, temas que fervilham
entre os católicos, como aborto, união entre pessoas do mesmo sexo, celibato,
ordenação de mulheres, política e religião, reforma agrária. Sua opinião sobre
papado do então papa Bento XVI e sua “previsão” correta de que teríamos um
pontífice latino-americano.
Hoje conheço um pouco mais deste personagem marcante,
carismático, de cujo arcabouço espiritual é possível extrair claramente, mesmo
leigo e sem o convívio diário, a lição cristã de amor ao próximo, de humildade,
solidariedade e desapego à vaidade e ao materialismo doentio.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Jornal "O PROGRESSO" edição dia 05.08.07
Dom Gilberto: “Não podemos trair o Evangelho para agradar os
homens”
O “grande exemplo de vida” para ele foi o avô materno, o
comerciante português Carlos Augusto Pastana, que chegou ao Brasil em 1917 e
com quem morou até os 8 anos de idade. Da avó Maria Nazaré, não lembra nada –
ela morreu quando ele tinha 2 anos. Filho do marceneiro Geraldo Braga e da dona
de casa Rita Pastana, é o sexto de oito irmãos. Diz que teve “uma infância
normal”; gostava de correr atrás de uma bola de futebol e freqüentava a Igreja
nas manhãs de domingo. Foi coroinha. “Era o que se tinha pra fazer naquele
tempo numa cidade do interior, além de estudar, claro. Jogar bola e ir à Igreja
era normal para os meninos da época”, conta.
Gilberto Pastana de Oliveira nasceu em Santarém (PA).
Completou 51 anos no dia 29 de julho. Entrou no seminário aos 18 anos, fez
Filosofia e Teologia em Belém e mestrado em Roma, sobre as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs). Padre durante 21 anos, foi ordenado bispo em 28 de
outubro de 2005, assumindo a Diocese de Imperatriz em 13 de novembro do mesmo
ano.
Trabalhador incansável, acorda às 5 e meia da manhã e não
tem hora para deitar-se. Recebe entre 1 a 2 mil correspondências por mês – no
orkut são cerca de 100 mensagens por semana. Gosta de lê Teologia e Psicologia,
mas não dispensa os livros de auto-ajuda. Dos escritores de ficção, prefere
Jorge Amado. Reserva um domingo do mês para jogar futebol com os padres da
diocese.
Um dos irmãos, Geraldo Pastana, foi vereador em Santarém,
deputado estadual e federal e hoje é prefeito de Belterra (PA) pelo PT.
Ao jornalista Carlos Gaby, durante duas manhãs, concedeu uma
entrevista exclusiva para falar sobre sua vida, sua linha de evangelização,
política e os temas que sempre colocam em foco a Igreja Católica.
Diz que não existe nem conservador, nem progressista (“isso
depende do ponto de vista”); é radicalmente contra o aborto (“um crime contra a
natureza”); a favor do celibato (“um dom de Deus”); critica o presidente Lula
(“ele se afastou dos movimentos sociais”); alfineta os que procuram “as portas
largas do Reino” (“a Igreja não vive de moda”); crê na escolha de um Papa do
terceiro mundo (“mais especificamente um brasileiro”); aposta na ordenação de
padres casados e mulheres (“futuramente”); e defende os movimentos que lutam
pela reforma agrária (“se há luta, há necessidade”).
P - Quais desafios o
sr. coloca como prioritários nesse seu começo de bispado dirigindo a Diocese de
Imperatriz?
D. Gilberto – O
principal desafio é articular aquilo que nós chamamos de “pastoral de
conjunto”. É juntar os padres, os leigos, os religiosos, todas as lideranças e
tentar fazer concretizar o plano pastoral e fazer a pastoral de conjunto. Somos
influenciados pelo mundo moderno, que nos prega o individualismo, o consumismo;
e o valor cristão, o valor da palavra de Deus, é a comunidade, é a partilha, a
solidariedade. Então, nesse sentido é importante que unamos nossos pensamentos,
unamos nossas ações, pensando em fazer esse trabalho pastoral. Esse é um
desafio – articular as pastorais sociais, as pastorais catequéticas e as
sacramentais.
O outro desafio é avançar em termos administrativos, de tal
modo que a Igreja caminhe com seus próprios pés. Então, é importante os
cristãos católicos tomarem consciência da necessidade da Igreja e, a partir
dessa consciência, também manter a sua Igreja.
P - O sr. disse que
preza pela “qualidade do rebanho” e não por sua quantidade. Hoje, essa
qualidade é o que a Igreja Católica espera de seu rebanho em Imperatriz?
D. Gilberto –
Não. Os leigos ainda precisam de formação. O leigo quer se qualificar, porque,
diante dessa realidade do mundo, dessa modernidade, Jesus Cristo tem uma
palavra. Jesus Cristo tem uma resposta a essa realidade. E esses leigos clamam
essa formação. Eles clamam esse aprofundamento para que eles sejam essa
resposta no seu ambiente de trabalho, no seu ambiente de convivência. Então,
nesse sentido nós ainda estamos muito aquém daquilo que a gente imagina ou
daquilo que a gente quer, ou seja, uma Igreja com comunhão e participação.
É necessário capacitar, é necessário formar nossos leigos em
diversos níveis, digamos, mais simples. Por exemplo: formar lideranças que
possam coordenar grupos, encontros, como lideranças que possam dar respostas a
essas questões sociais, éticas, a essas questões que a sociedade nos apresenta.
Então, precisamos capacitar pessoas que possam conduzir a Igreja, conduzir a
sociedade.
P - Como o sr.
analisa o crescimento de outras religiões, de outras seitas, em relação ao
Catolicismo?
D. Gilberto – Jesus
Cristo tem uma parábola em que diz que teve compaixão do povo, porque o povo
estava como que sem pastor. Quer dizer, nós temos uma fatia da sociedade que
está completamente abandonada. Que vive desesperada, que não tem perspectivas
de vida. Então, qualquer pessoa que chegue a esse povo com promessas, dando
esperanças, qualquer pessoa que chegue prometendo, é claro que esse povo vai
ser atingido. Nesse universo todo, então, há muitas religiões, muitas
denominações, com uma proposta, com uma visão de mundo, com uma visão de Deus
que nem sempre corresponde ao Deus da Bíblia, ao Deus que é pai de Jesus
Cristo, que, por excelência, é um Deus libertador, acolhedor, que salva. Então,
temos que trabalhar para que as pessoas, em primeiro lugar, tenham consciência
da sua dignidade, da sua vida, da sua missão, da sua vocação. Em segundo, que a
partir dessa consciência, elas se libertando, libertem também os outros. Porque
a consciência não é uma consciência, digamos assim, pessoal; ela deve ser uma
consciência coletiva. A proposta de Deus, a proposta de Jesus Cristo, é o
Reino, e o Reino é para todos.
Um dia essa consciência vai chegar, esse povo vai se
encontrar. Um dia, como Jesus pede para separar o joio do trigo, também será
separado o joio do trigo.
P – O Catolicismo de
longe ainda tem o maior número de fiéis no Brasil. Mas o crescimento de outras
denominações dentro do cristianismo é rápido e considerável, como no resto da
América Latina, na África. Esse fenômeno, além da questão social, da
modernidade em que as pessoas buscam a salvação e a ascensão econômica com as
“promessas do Reino”, como o sr. frisou antes, tem a ver também com a liturgia,
com alguns dogmas da Igreja Católica?
D. Gilberto –
Acredito que não. Acho que o grande problema da Igreja Católica foi o
inchamento das cidades, a mudança de cultura das pessoas, e, devido à própria
organização e aos condicionamentos dos “agentes pastorais”, não deu para
atender a toda essa situação. Agora, a Igreja não pode mudar sua fidelidade a
Jesus Cristo. Na Bíblia diz que pessoas chegam até Jesus e dizem: “Jesus, eu te
seguirei aonde tu estiveres”; e Jesus diz quais são os critérios para segui-lo.
Então, o Reino também tem os seus critérios. Muitas pessoas, diante desses
critérios, buscam a porta larga, elas não querem entrar no caminho. E aí,
nessas seitas que aceitam tudo, que não têm uma doutrina, que não têm um código
de ética, que não têm uma legislação, vão aceitando todo mundo. E às vezes as
pessoas fazem isso até como uma ameaça, tentando dizer assim: “ah, mas se não
for assim eu vou procurar uma outra igreja”. E o que é que nós podemos fazer
diante de uma situação dessa? Nós temos que ser fiéis a Jesus Cristo – e essas
são as palavras de Jesus.
Quanto à liturgia, quanto aos sacramentos, quanto à ética,
nós não podemos trair o Evangelho para agradar aos homens, para agradar A ou B.
Nós temos que agradar a Jesus Cristo e não agradar a sociedade, entrar na moda.
A Igreja não vive de moda, não vive do imediato. A Igreja tem 2 mil anos de
existência e há toda uma tradição em que ela evidentemente tenta se adequar aos
tempos, mas sem trair os seus princípios, sem trair a orientação do seu
fundador, Jesus Cristo.
P – O sr. acha que há
um certo revisionismo negativo em relação ao papel da Igreja Católica no
Brasil?
D. Gilberto – Eu
acredito que existem certos preconceitos, algumas análises inverídicas, alguns
fatos analisados sem o devido contexto. É muito fácil hoje pegar o passado e
criticar o passado. Mas daqui a 20, 25 anos, vão estar criticando a gente?
Criticando algumas ações de hoje porque talvez não estejamos vendo algumas
coisas que daqui a 25 anos vão ter condições de serem vistas? Mas nisso tudo há
o lado positivo que nos ajuda a crescer, a ver a situação de diversas maneiras.
O importante é a nossa fidelidade, a nossa coerência com
aquilo que Jesus pregou, com aquilo que Ele anunciou, sobretudo a sua vinda.
Ele veio pra que todos tenham vida, e vida em abundância. Nesse sentido, graças
a Deus que a partir do Concílio Vaticano II a Igreja se abriu para o mundo, se
abriu para essa visão e procurou adequar essa revelação, essa palavra, ao mundo
atual.
P - Qual sua posição
em relação à questão do aborto?
D. Gilberto – A
minha posição é a posição da Igreja, é a posição de todo cristão. Todo aborto é
um crime contra a natureza, é um crime contra a vida. Nós não temos o direito
de tirar a vida de quem quer que seja, quer seja através do aborto dessas
crianças quer do aborto social. Hoje muita gente morre por falta de alimento,
por falta de moradia, por falta de emprego, por falta de uma vida digna. E é
nesse sentido que devemos lutar contra todo tipo de morte, contra tudo que
destrói a vida humana. A vida humana é sagrada, é dom de Deus. Por isso, devemos
preservá-la e conservá-la. Não posso imaginar um católico que seja a favor do
aborto, não posso, porque é uma contradição, uma contradição de vida, uma
contradição da proclamação de sua fé. Então, somos radicalmente contra,
principalmente contra o aborto e contra todo tipo de morte. Tudo aquilo que
impede a vida humana é um clamor, é um pecado contra Deus e contra a
humanidade.
P - E em relação ao
celibato e a união de pessoas do mesmo sexo? A sua posição é a mesma da Igreja?
D. Gilberto – Sim,
é a mesma da Igreja. Veja bem: Deus criou o homem e a mulher, o macho e a
fêmea; foi isso que Deus criou, não é? Agora nós respeitamos, mas não podemos
concordar, não podemos concordar. Precisamos é acolher, acompanhar cada
situação, cada realidade, mas não podemos concordar. Tá na Bíblia: Deus criou o
homem e a mulher.
Quanto ao celibato, o celibato é um dom de Deus. Jesus diz
também no Evangelho que há homens que se fazem eunucos, há homens que se tornam
eunucos, em vista do reino dos céus. O celibato bem vivido, como dom de Deus, é
uma graça, porque é uma consagração total ao Reino.
Agora você me diz assim: poderia ter outras formas de viver
o ministério? Aí eu diria: quem sabe um dia a Igreja irá ordenar homens
casados, quem sabe...
P – E mulheres?
D. Gilberto – Também.
Há a liderança masculina e a liderança feminina. Jesus tinha mulheres em seu
grupo. Acho que isso é uma questão de compreensão, uma questão de evolução, uma
questão de entendimento. Veja, por exemplo, na Igreja: a grande maioria de
nossas lideranças é de mulheres; 80% de nossas lideranças são as mulheres que
fazem; elas são catequistas, são lideranças de comunidades, elas dão
treinamento, elas organizam as comunidades. Elas já têm um papel, e é
importante que esse papel seja valorizado, seja reconhecido. E nada impede que,
num futuro em que a consciência vai aumentando, elas possam também, quem sabe,
chegarem a ser ministras do altar, sacerdotisas do Senhor. Tudo nesse sentido é
possível. A história e ao mesmo tempo a consciência vão fazendo com que as
pessoas entendam esse significado, esse ministério, embora no Novo Testamento
não tenhamos exemplos de mulheres nessas funções. Mas hoje já temos mulheres
que recebem autorização para os sacramentos, ministrando o batismo, testemunhas
qualificadas do sacramento do matrimônio. Acredito que aos poucos vá aumentando
essa participação feminina, agora sem isolar a graça de Deus no dom do
celibato. Quem sabe também teremos padres casados, como na Igreja Oriental.
Agora mesmo com padres casados, os problemas sempre existirão. A Igreja
Oriental tem muitos problemas com os padres casados, também. Essas situações
são situações humanas e ninguém pode acabar, só Deus.
P – Como o sr. vê a
participação político-partidária de padres, de religiosos, de pessoas ligadas à
Igreja Católica?
D. Gilberto – A
política enquanto ação humana, sem falar na política partidária, ela é uma obra
de Deus, sobretudo quando essa política é para o bem comum. Você me pergunta:
Jesus foi político? Foi. Jesus anunciou o Reino de Deus. Não essa política
suja, essa política pobre, perversa, essa política de corrupção, de enganação.
A política de Jesus foi uma política verdadeira, uma política da verdade do seu
Reino. Então, nesse sentido, toda ação é uma ação política e essa ação
contribui, ou para a construção do Reino ou para a construção da sociedade de
César. A sociedade de César é uma sociedade desigual, é a sociedade da
exploração, da enganação. Então, os padres e os religiosos que fazem essa boa
ação estão contribuindo para uma sociedade humanitária, uma sociedade fraterna.
E não é isso que nós desejamos? Nós não queremos a salvação, nós não queremos o
Reino? Pra construir o Reino nós temos que ter ações, e Jesus pede que nós
façamos ações. Que ações? Ações verdadeiras, justas, honestas, que libertem o
homem do pecado e da escravidão, que libertem da vida desumana. Nesse sentido,
somos homens e mulheres que fazemos ações políticas, e essas ações agradam ao
Senhor quando elas são verdadeiras, justas e honestas.
P - Mesmo que para
isso seja necessário o engajamento partidário, o engajamento ideológico?
D. Gilberto –
Nesse ponto é que é a dificuldade. Nós [religiosos] não devemos ter partido.
Qual nosso partido? É o partido da verdade, da justiça, do amor. Todos os
partidos humanos se contaminam pela própria estrutura partidária, estrutura
política do país. E a verdade, ela não está em partido A ou partido B. Por
isso, a gente tem que ver as pessoas, a vida da pessoa, o que ela tinha antes
da política, o que ela tem agora, o que ela era antes do partido político e
como é agora. Como é que de repente, em quatro anos, essa pessoa se enriquece?
Não conheço nenhum empresário que tenha ficado rico da noite para o dia. Há
políticos aí que ficam ricos em apenas um mandato. Conversando com um vereador eu
perguntei quanto se gasta numa campanha. Ele me respondeu: “300 mil [reais] “.
Mas 300 mil reais ele não ganha em quatro anos com o salário que tem, apesar de
ter um bom salário. Como é que ele se elege? A coisa já começa errada. Com
certeza vai ser um mandato de venda de favores, de venda de voto. Isso não pode
e nem deve existir.
P – Do ponto de vista
leigo, constitucional, que tipo de estado o sr. defenderia?
D. Gilberto – Nem
sempre a teoria corresponde à prática, nem sempre o conceito, a denominação de
tal estado, traduz em gestos concretos o pensamento que se tem. Nós estamos na
luta de um novo estado, o Maranhão do Sul, e esse estado tem que nascer,
primeiro, da mobilização popular, o povo tem que dizer como ele quer esse
estado. O povo sonha com uma vida digna. O que não podemos é criar um estado
onde alguns terão muito e a maioria não ter nada. Um estado assim não é um
estado justo, honesto. Temos que criar um estado que crie as condições para
atender às necessidades básicas da população, que não tenha uma classe política
que determine, que decida tudo. É triste quando no final de tudo o econômico
acaba predominando. É triste quando as pessoas não aplicam bem o dinheiro
público e nem prestam contas desse dinheiro público.
Precisamos que o povo vá às assembléias e diga “nós queremos
um estado assim”. O nome desse estado não interessa, o que interessa é que o
povo participe, decida, diga como ele quer esse estado.
P – O sr. defende a
divisão territorial do Maranhão?
D. Gilberto – Se
nossos governantes tivessem essa organização, não precisaria de divisão de
estado, porque essa divisão significa mais despesas. Imagine a estrutura e os
gastos que teremos para construir um novo estado. Hoje não podemos ter despesas
supérfluas. Há ganhos com um novo estado? Sim. Mas quando pensa nessas
despesas, a gente tem que pensar duas vezes. Se o poder fosse descentralizado,
não precisaria de um novo estado. Se aproveitássemos as riquezas naturais,
daríamos um passo imensurável para diminuir as desigualdades. Não basta boa
vontade política, precisa-se de ação política que responda a esses interesses
do povo. Com um bom trabalho, o político não precisa fazer propaganda, o
próprio povo vai falar bem dele.
P – Como o sr.
analisa os movimentos que lutam pela posse de terra? Movimentos esses mais ou
menos contaminados por uma certa infiltração partidária, ideológica.
D. Gilberto –
Quando há luta é porque há necessidade. Ninguém vai pra rua pedir um pedaço de
terra, se submeter a sol, cansaço, sem necessidade. Todas as lutas acontecem a
partir de uma necessidade real. O poder público, a partir do momento em que
atende a essas necessidades – e ele tem condições de fazê-lo – ele pode também
separar o joio do trigo. Por exemplo: movimento tal de ocupação de terra, como
é que o Poder Público agiria? Faz um levantamento dessas pessoas e veja quem
tem necessidade e quem não tem. Mas aí dizem “ah, mas tem muita indústria da
invasão”. Acredito também que exista. Mas é só separar o joio do trigo. Faz um
levantamento e diz: “olha, quem tem necessidade vai receber e quem não tem
vamos dar cadeia, vamos prender esse pessoal, vamos dizer que eles também estão
sendo desonestos, que eles estão tirando da boca do pobre aquilo que é do
pobre”. Então é só separar. Mas eles separam? Não separam.
P – O presidente Lula
foi reeleito com uma maioria esmagadora de votos. Como o sr. analisa o seu
governo?
D. Gilberto – O
presidente passa por momentos muito difíceis. Uma coisa é o Lula enquanto
liderança dos movimentos sociais, outra coisa é o Lula presidente da República.
Ele sofre pressões de todos os lados – aquelas que são visíveis e aquelas que
não sabemos. Temos que analisar o Brasil dentro do contexto do mundo, das
relações com os Estados Unidos. Sabemos que os Estados Unidos têm interesses
mundiais, eles querem sempre ser o senhor do mundo, então não é fácil
administrar. Eu acredito que essa corrupção no governo, essas revelações desses
mensalões, isso destruiu muito a imagem do governo, a imagem da Presidência.
Agora isso é uma correlação de forças, ninguém sabe as forças que estão por
trás, quais são os verdadeiros interesses. Estatisticamente, houve uma melhora
na condição de vida do povo, mas eu penso que se ele estivesse governando com
os movimentos sociais, se ele não tivesse se distanciado tanto dos movimentos
sociais, acredito que o Brasil teria dado passos muito mais significativos e
conseqüentes para a vida do povo.
P – E o papa Bento
XVI?
D. Gilberto – O
Papa trabalhou muito tempo com João Paulo II, foi um de seus principais
assessores. Ele está dando continuidade naquilo que João Paulo II fez, claro
que sem o carisma do antecessor. Mas veja que ele causou surpresa, veja que
aqui no Brasil ele quebrou protocolos, ele foi ao encontro do povo. Acredito
que seus dois últimos documentos, tanto a encíclica sobre o amor como também a
sobre a eucaristia, nos dão muita esperança, nos dão muita abertura para que
essa caridade e o amor sejam testemunhados e pregados por todos nós. Muitos
acreditam que, por entender que ele seja o papa da transição, ele não vai
abrir, ele não vai provocar muitas mudanças, o que me parece uma análise
apressada. O documento de Aparecida é um documento muito bom no momento em que
vem confirmar essa caminhada histórica da Igreja na América Latina, a Igreja no
Brasil. Ele acaba de aprovar esse documento. A presença dele em nosso país e em
outros países confirma a caminhada da Igreja.
P - A Igreja Católica
ainda terá um papa latino-americano ou africano?
D. Gilberto – Se
Deus quiser. Acredito que isso não vai tardar muito, porque aqui está a Igreja
do terceiro milênio, em quantidade e também em riquezas de pluralidades, em
riquezas da prática do seguimento de Jesus. Logo, logo, nós teremos um papa
latino-americano, mais especificamente quem sabe um papa brasileiro, ou um papa
da África. Voltando a Bento XVI, o que acontece é que pegam muitas afirmações
do Papa fora do contexto e essas afirmações acabam chegando deturpadas no meio
do povo; mas se você pega todas essas afirmações dentro do contexto em que ele
colocou, são verdades inquestionáveis.
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