Segundo o CFM
(Conselho Federal de Medicina), existem 334 mil médicos atendendo aos 185
milhões de brasileiros. Os números são de 2010 e apontam para uma média de um
profissional para cada 578 habitantes, bem acima do mínimo preconizado pela OMS
(Organização Mundial da Saúde), que indica um médico para grupos de 1.000
pessoas.
A situação é ainda mais grave quando
confrontados dados regionais. No interior de Estados como Amapá, Amazonas e
Roraima, essas médias caem a índices inferiores a um médico para cada 8.000
habitantes, abaixo de Guiné Bissau (que tem um profissional para cada 8.333
pessoas), país subdesenvolvido da África.
Se divididos índices
das capitais e do interior, o percentual mais baixo de médicos é registrado
longe da capital de Roraima, Boa Vista. Com uma população de 166 mil pessoas,
os 14 municípios do interior do Estado contam com apenas 15 médicos –o que dá
uma média um profissional para cada 11.077 pessoas. Amapá (um médico para cada
9.290 habitantes), Amazonas (8.940) e Maranhão (6.437) também têm índices
similares ao de países africanos.
Procurada pelo UOL
Ciência e Saúde, a Secretaria de Saúde de Roraima informou que o Estado tenta
dar melhores salários aos profissionais que escolhem o interior para trabalhar.
“Uma alternativa encontrada é fazer concursos públicos direcionados aos
municípios, com uma proposta salarial diferenciada, a fim de que os
profissionais possam se sentir motivados e valorizados, no intuito de não
requererem transferência de local”, informou.
Ainda segundo o
órgão, os 14 municípios são atendidos não só pelos 15 profissionais que moram
no interior, mas também por outros 56 contratados. “Em média, a maioria dessas
localidades conta com dois médicos atendendo, mas esse número pode chegar a
oito, como em Mucajaí e seis em Pacaraima”, afirmou.
Para o movimento
sindical médico, a interiorização está se tornando mais difícil a cada dia por
conta dos baixos salários ofertados e das más condições de trabalho. Segundo o
1° vice-presidente da Fenam (Federação Nacional dos Médicos), Wellington Moura
Galvão, os médicos sofrem pelo atual “sub-financiamento da saúde”, que é um
problema nacional, com reflexos mais graves nas pequenas cidades.
“O que falta é uma
valorização da atividade médica. Hoje se paga a um médico no Nordeste, por
exemplo, uma média de 10 salários mínimos (R$ 5.450) no PSF, quando o pactuado
no programa era de 30 salários (R$ 16.350). Querem pagar mixaria sem dar
condições éticas de trabalho. Assim, não vão interiorizar nunca”, alegou
Galvão.
Regionalidades
A distribuição dos
médicos esconde distorções regionais significativas. A média de profissionais
cai na medida em que se sobe no mapa, variando entre índices europeus nas
capitais, e africanos no interior do Norte e Nordeste, onde se enfrenta um
verdadeiro "apagão médico".
O CFM diz que, entre
2000 e 2010, o número de médicos no país aumentou 28%. O problema está na
distribuição desses profissionais. O Sudeste é a região mais bem servida e
concentra 55% dos médicos brasileiros. Na região, existe um médico para cada
422 habitantes. No Nordeste, essa média cai para 888 e no Norte, fica no mínimo
de 1.000 habitantes para cada profissional.
Os índices começam a
fugir da referência da OMS quando observada a distância das cidades mais longes
dos centros de referência. Cerca de 56,3% dos médicos estão nas capitais dos
Estados, contra 43,7% dos que atuam no interior. O índice é proporcionalmente
inverso à população do país, que está concentrada basicamente no interior. O
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) mostra que dos 185
milhões de brasileiros, apenas 23% estão nas capitais.
O resultado dessa
distorção é que o Brasil possui, ao mesmo tempo, índices de países ricos e
miseráveis. Enquanto nas capitais existem um médico para cada 238 habitantes
--média superior a de países como Alemanha, Bélgica e Suíça--, no interior a
média é de um para cada 1.051 pessoas.
Municípios fazem “leilão” por médicos
Mas encontrar um
médico para trabalhar no interior não é uma tarefa simples. Médica e
ex-presidente da diretora de Saúde da Associação dos Municípios Alagoanos, a
prefeita de Santana do Ipanema Renilde Bulhões afirma faltam médicos. Por conta
disso, os gestores do interior do Norte e Nordeste são obrigados a ofertar
cargas horárias menores, salários maiores que a média, combustível e
hospedagem. Apesar disso, a maioria das vagas está desocupada por falta de
profissionais, especialmente para o programa de saúde da família.
Segundo ela, o
Ministério da Saúde repassa apenas R$ 6 mil para pagamento de médicos, o que
está abaixo da média de mercado. “Vivemos hoje uma espécie de leilão. O
município que der mais, ganha o médico. Pagamos aqui, por exemplo, R$ 7 mil ao
médico. Mas têm municípios vizinhos, aqui no sertão, que pagam até R$ 9 mil,
mais gasolina. Trabalhamos no limite financeiro do município. Essa é a
realidade do Norte e Nordeste, que são regiões pobres”, contou.
Outro problema
apontado pela prefeita é que dos nove profissionais que trabalham em Santana do
Ipanema, apenas dois moram na cidade. “Como gestores, não conseguimos segurar o
profissional no município. Hoje os médicos preferem passar apenas uma temporada
no interior. Quando fazem seu pé-de-meia, voltam para os grandes centros para
fazerem suas especialidades médicas”, afirmou Bulhões.
Falta incentivo, dizem profissionais
O vice-presidente da
Fenam confirmou que, para “ter uma remuneração mais ou menos digna”, o médico
que opta por trabalhar no interior é obrigado a ter vários empregos. “Eles
reduzem a carga horária para poder trabalhar pelo que recebem. O médico é hoje
um caixeiro viajante. Sem contar a precarização. Um médico hoje no interior do
Nordeste é contratado com salário-base de R$ 1.000, que chega no fim a R$ 5
mil, R$ 6 mil por gratificações. Mas quando entra em férias, se acidenta,
recebe o 13° salário é apenas R$ 1.000. Não existe um plano de cargo e
salário”, afirma.
Além da falta de
altos salários e de bons hospitais, o interior ainda sofre com problemas
políticos, que interferem no exercício médico. “Em muitos casos, o médico é
refém do prefeito. Às vezes, se ele fizer uma denúncia, ele é tirado de uma
comunidade pra outra. Acontece de vereadores quererem que médicos façam
coisas-extras, trabalhem fora de horário. Falta de um carreira de Estado. E isso
é muito mais grave no Norte e Nordeste, onde o coronelismo ainda impera em
muitos locais".
Novas medidas
Para tentar mudar o
mapa de distribuição, o governo federal anunciou medidas que pretendem
interiorizar a atuação dos médicos. Na terça-feira (30), a presidente Dilma
Rousseff prometeu, durante aula inaugural do curso de medicina em Garanhuns
(PE), criar 4,5 mil novas vagas em cursos de medicina por ano para atender à
população do interior.
No último dia 25, o
Ministério da Educação publicou edital anistiando do pagamento do empréstimo do
Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) os médicos recém-formados que aceitem
trabalhar em uma das 2.219 cidades consideradas prioritárias do país, todas no
interior dos Estados. Cada mês trabalhado abaterá 1% da dívida total. Ao todo a
medida vale para 19 especialidades médicas, além de quatro áreas de atuação
prioritárias para o PSF.
Aliny Gama e
Carlos Madeiro
UOL Notícias Ciência
e Saúde (http://noticias.uol.com.br
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