Com o Centrão no encalço, não se pode errar a escolha.
A eleição para presidente sempre domina a pauta brasileira e deixa pouco espaço para falar da composição do futuro Congresso. Em 2022, diante da disputa pela democracia sob um governo mitômano, o debate, que já era coadjuvante em outras eleições, ficou mais ofuscado ainda. Não é à toa que sete em cada 10 eleitores não sabiam ainda em quem votar para o Parlamento e para as assembleias estaduais até a semana passada, segundo pesquisa do Datafolha. Em compensação, 78% já definiram seu voto para presidente, de acordo com o instituto.
Muita gente deixa para decidir os nomes de seus parlamentares literalmente no dia de eleição. Inclusive pedindo indicação de amigos ou parentes para saber em quem votar para deputado ou senador. Mas se já era uma prática arriscada até 2018, agora, ela se torna muito perigosa. Com o advento do orçamento secreto, que permitiu carimbar verbas a parlamentares diretamente sem passar pelos ministérios, a bancada do Centrão, a mais beneficiada pela manobra orçamentária, triplicou a aposta em candidatos a deputados e senadores este ano.
Um risco enorme de manter tudo como está no Brasil a partir do ano que vem. Tudo como está, a favor das bancadas da Bíblia, da bala e do boi e das negociatas do "toma lá dá cá", que beneficiem o lobby de setores que estejam faturando no balcão de negócios do Congresso.
Só o Partido Progressista, o PP, que levou 151 candidaturas a deputado federal em 2018, apresentou o nome de 501 candidatos na eleição deste ano, como mostrou o Estadão em 20 de agosto. Quatro anos atrás, conseguiu eleger 38 deputados. Se a tendência fosse mantida, poderia se dizer que o PP tem chances de eleger 126 candidatos neste ano. Com mais dinheiro em caixa, vindo do orçamento secreto acordado com o governo Bolsonaro, há mais obras e benesses a exibir aos potenciais eleitores. O presidente da Câmara, Arthur Lira, integra a bancada do PP. Era ele o principal negociador da verba com os demais deputados. Verba esta que tirou a transparência do orçamento público.
O PL, do presidente Jair Bolsonaro, lançou 502 candidatos a deputado federal, três vezes mais do que em 2018, quando elegeu 33 deputados, antes da mudança do nome da legenda — o PL é o antigo Partido da República. Assim, mesmo que Bolsonaro seja derrotado e perca a presidência, as pautas que vitaminam o bolsonarismo podem continuar moldando o Congresso e os rumos do país.
Os partidos preocupados com os prejuízos à democracia nos últimos anos se articularam pela resistência e já planejam bancadas transversais com vasos comunicantes entre elas. É o caso da bancada do conhecimento, formada por 60 profissionais de ciência e educação, integrada pelo físico Ricardo Galvão, ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial. Galvão foi exonerado do cargo em 2019, porque Bolsonaro não gostou dos dados de desmatamento divulgados pelo instituto.
O candidato a deputado federal pela Rede Sustentabilidade em São Paulo tem ideias muito claras e radicais sobre a postura que precisa ser assumida no Congresso por uma bancada do conhecimento. “É preciso fazer modificações para restaurar a educação e ciência no Brasil”, disse ele. “Queremos proibir o contingenciamento de verbas, por exemplo”, explicou Galvão a uma plateia de estudantes na PUC de São Paulo, na noite desta segunda-feira, dia 19. A ciência foi uma das áreas mais prejudicadas pelos cortes de verba decididos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Outras bancadas tratam de ganhar estatura, como é o caso da bancada do cocar, que pretende eleger dezenas de parlamentares indígenas para o Congresso e para as assembleias estaduais. “Percebemos que precisávamos entrar nessa disputa”, afirmou Sonia Guajajara, candidata pelo PSOL, durante um evento com intelectuais há algumas semanas. A ideia é fazer um contraponto à bancada ruralista, que atua em projetos que facilitam o desmatamento e a invasão às terras indígenas. E, assim, retomar o controle da agenda ambiental, que ganha a adesão de outros partidos.
Outras propostas radicais devem procurar apoio dentro do Congresso. Antônio Netto, do PDT, por exemplo, diz que, se eleito, seu partido será firme na proposta de cobrar a taxação de grandes fortunas, especialmente depois de a pandemia expor as entranhas da desigualdade no país. Há um consenso dos candidatos de oposição de que não é mais possível avançar no Brasil sem segurança alimentar, depois do retrocesso que levou 33 milhões de pessoas para um quadro de fome no país.
Uma coisa é certa. As dores deste período e a descoberta de falsos heróis do passado, como o ex-juiz Sergio Moro ou o deputado estadual Arthur do Val, podem gerar um efeito pendular e aumentar a bancada progressista no Congresso. Se há quatro anos o antipetismo marcou a ascensão de parlamentares bolsonaristas, com rasgos de extrema direita, agora o país reforça um perfil engajado em causas que restaurem e blindem o mínimo já alcançado no passado. Saúde, educação, direitos humanos e o respeito à Constituição. “Esta luta agora é contra o fascismo”, disse a deputada Isa Penna, do PCdoB durante encontro na PUC em São Paulo. Depois de derrotar o autoritarismo é que se pode avançar para outras pautas.
O peso da eleição presidencial para transferir votos a candidatos ao Congresso ainda é uma incógnita. Em 2010, no auge da popularidade de Lula, o PT elegeu 88 deputados. Na baixa, em 2018, esse número caiu para os atuais 54. Com a maré a seu favor, petistas e coligados podem lograr a façanha de garantir algum equilíbrio agora.
Bem que poderíamos estar debatendo temas mais importantes, como aborto, liberação da cannabis e o fim da intromissão de pastores ou militares na política. Mas, diante do quadro atual, com a extrema direita à espreita, a leitura dos candidatos é que se chegarmos a 2023 com uma troca presidencial sem solavancos, já será um grande lucro.
Carla Jimenez
Colunista
NE: Artigo publicado originalmente em The Intercept Brasil