Leonencio Nossa, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA -
Um livro divulgado nesta quarta-feira, 2, sugere que corpos de militantes
políticos mortos pela ditadura militar em São Paulo e no Rio de Janeiro foram
incinerados numa usina de cana em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense,
nos anos 1970 e 1980.
Memórias de uma Guerra Suja, uma coletânea de depoimentos do ex-delegado da
Polícia Civil do Espírito Santo Cláudio Guerra, indica que foram levados para a
Usina Cambahyba os restos mortais de David Capristano, comunista histórico, do
casal Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva e de outros presos políticos, como
João Batista Rita, Joaquim Pires e João Massena Melo.
Em uma série de
entrevistas aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, Cláudio Guerra,
figura conhecida do crime organizado capixaba, afirma que levou dez corpos para
a usina. Os corpos teriam sido retirados da Casa da Morte, um centro de tortura
em Petrópolis, e de órgãos da repressão em São Paulo. “Mas não matei nenhum
desses”, ressalta Guerra no livro. A usina pertencia ao ex-vice-governador do
Rio Heli Ribeiro Gomes (1967-1971), segundo o livro.
Em outro trecho,
Guerra diz que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que responde a crimes
ocorridos em São Paulo, foi um dos oficiais que planejaram e acompanharam, em
1981, o atentado no centro de convenções do Riocentro, na véspera do 1º de Maio.
A ação consistia em
jogar bombas no local num dia de show da MPB e atribuir a grupos de esquerda.
Mas uma das bombas explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário,
que estava dentro de um carro. Os outros oficiais que planejaram o atentado teriam
sido Freddie Perdigão e Vieira.
Fonte - O
livro se baseia exclusivamente nos depoimentos de Cláudio Guerra. Os autores
usaram notas de rodapé para esclarecer citações feitas pelo delegado. Mas
deixam Guerra falar, sem pausa. O ex-delegado cita uma série de agentes que
teriam participado, por exemplo, da Chacina da Lapa, em São Paulo, em 1976,
quando dirigentes do PC do B foram executados. Só não cita o oficial do
Exército Aldir Maciel, apontado em uma série de pesquisas como o chefe da
operação.
No livro, o Cláudio
Guerra que marcou o imaginário político e criminal brasileiro dos anos 1980,
acusado com fartura de provas de participar do crime organizado capixaba, dá
lugar a um Cláudio Guerra agente do auge da repressão militar, num protagonismo
questionável no tempo dos crimes anistiados.
O personagem ubíquo,
quase um Forrest Gump que emerge do livro, chega até 1989, quando diz que sua
“comunidade” pôs panfletos da campanha do petista Luiz Inácio Lula da Silva no
local em que o empresário Abílio Diniz foi sequestrado, em São Paulo.
Ele também diz que
foi escalado para matar o ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury (crime que teria
sido consumado por agentes secretos da Marinha, segundo ele), e de políticos
como Leonel Brizola e Fernando Gabeira. E que esteve na mira até de agentes da
CIA, a agência de informações dos Estados Unidos.
O depoente nega
todos os crimes que lhe foram atribuídos depois da distensão política, no
Espírito Santo. Ele foi condenado pela Justiça a 42 anos pela morte do bicheiro
Jonas Bulamarques, em 1982. Ficou dez anos na cadeia e foi solto. Depois, foi
condenado a 18 anos pela morte da própria mulher, Rosa Maria Cleto, e da
cunhada Glória, em um lixão em Cariacica, em 1980.
Sem nomes.
Guerra atribui as mortes a terceiros. Sobre a morte de Bulamarques ele diz:
“Foi uma condenação política, direcionada só para mim”. Ele ainda tenta tirar
de suas costas as suspeitas de participação no consórcio formado por
empresários, políticos, policiais e pistoleiros que matou a jornalista Maria Nilce
Magalhães, em 1989. O livro não aponta nomes de empresários.
Fonte: O
Estado de S. Paulo
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