Lucas Mendes
De Nova York para a BBC Brasil
A bala que atravessou o cérebro da deputada federal Gabrielle Giffords feriu o Tea Party, a líder conservadora Sarah Palin, radialistas e âncoras radicais da TV, as extremas direita e esquerda e paralisou o centrão político, democrata e republicano. Uma bala mágica.
Em 2006, aos 36 anos, bonita, Guiffords foi a terceira mulher na história eleita para representar o Estado do Arizona, em Washington. Motoqueira anticapacete, atiradora e pró-armas, pró-imigrantes e pró-Obama na reforma da Saúde, judia por opção - já adulta -, única congressista, homem ou mulher, casada com um militar na ativa - um astronauta.
Ao ar livre, Gabrielle Giffords era um alvo fácil para um assassino. Se expunha sem nenhuma proteção. Politicamente confundia os inimigos, mas entrou na alça de mira de Sarah Palin e do Tea Party. Num mapa do país com os principais alvos do Tea Party - candidatos que deveriam ser derrotados na eleição do ano passado -, em que estes aparecem como se estivessem na mira telescópica de um fuzil, lá estava Gabrielle Giffords.
Num dos comícios finais, o adversário dela disparou vários tiros para o ar com uma carabina para motivar seus partidários. Muito seguiram o exemplo dele, mas nas urnas, erraram na mira. Gabrielle Giffords mais uma vez ganhou num reduto republicano e ultraconservador.
O atentado contra ela deixou 13 feridos e seis mortos, entre eles uma criança de nove anos e um juiz federal. Diante da perplexidade e paralisia dos políticos, a ferocidade dos ataques na imprensa rompeu todas as barreiras.
As imagens e discursos da direita e da esquerda saíram dos arquivos, metáforas políticas foram ensanguentadas. Um discurso de Obama - “se trouxerem facas, levaremos armas” - foi estrela da noite em um canal da direita.
Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia e colunista do New York Times, escreve que “não devemos fingir que há equilíbrio nos ataques. A maioria vem da direita”. Entre os principais alvos dele estão Glen Beck e Bill O'Reilly, ambos da rede Fox, e os dois reagiram com o mesmo calibre no dia da publicação da coluna.
A direita, na mídia, é mais rápida no gatilho do que a esquerda. Embora a deputada Giffords estivesse na alça de mira de Sarah Palin e da direita, o suspeito, Jared Loughner, de um dia para outro está sendo transformado num esquerdista radical, viciado em drogas porque fumava maconha - e entre as leituras dele está o Manifesto Comunista.
Mein Kampf, de Hitler, também está na lista de Loughner, mas é omitido. Ele provavelmente não entendeu nem um nem outro. Tem todos os sintomas de um maluco, mas será que os malucos funcionam no vácuo ou são levados por algum impulso?
Sarah Palin saiu do silêncio aos tiros. Sem mencionar os nomes das vítimas, responsabilizou Jared Loughner, “um assassino desequilibrado e solitário”, pelo crime, disparou contra a mídia e usou a expressão controvertida “libelo de sangue”, para se colocar como vítima assim como os judeus eram acusados em fabricações de cristãos no passado.
“Gabrielle Giffords não deveria estar viva”, disse o cirurgião que cuidou dela, mas não só está viva, como abriu os olhos pela primeira vez quando o presidente Barack Obama esteve no quarto dela por alguns minutos. Se voltar a falar vai mudar o panorama político do pais?
Mark DeMoss, republicano e respeitável líder evangélico, e Lanny Davis, judeu que trabalhou com o presidente Bill Clinton, investiram, além do tempo, US$ 30 mil numa campanha para moderar o tom do debate político no país.
Enviaram uma carta aos 585 deputados e senadores com um pedido para que assinassem três simples e elementares promessas cívicas, basicamente de respeitar a opinião dos outros e combater a falta de civismo. Só três assinaram. Na terça-feira, depois de dois anos, abandonaram o projeto.
Morreu com a bala de Loughner? Ou será ressuscitado por ela?
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